Os últimos acontecimentos revelados pela operação Segurança Pública S.A., promovida pelo MPF e a PF, juntamente com o caso dos três jornalistas de O Dia, seqüestrados e torturados pela Milícia que controla a favela do Batan, em Realengo, confirmam a íntima ligação entre os poderes constituídos e a criminalidade no Rio.
Os dois fatos, em si, não apresentam qualquer novidade ao que se suspeitava ou boa parte da sociedade fluminense já tinha conhecimento. Governantes que operam o ilícito de dentro de delegacias da Polícia Civil e de batalhões da Polícia Militar. Também não estranha o fato do ex-chefe de polícia dos governos da famiglia Garotinho, o hoje deputado estadual Álvaro Lins, tenha sido libertado por seus pares, que sequer leram os autos do processo movido contra ele e que deu base para sua detenção.
Com a obtenção de recursos da extorsão promovida em delegacias foi possível ao ex-chefe de polícia do ERJ adquirir um apartamento de R$1,200 milhão em zona nobre da cidade, colocado em nome de sua ex-sogra. Seus assessores diretos, os “inhos”, todos policiais, executavam e comandavam as operações de “acerto” com o jogo do bicho e o setor de caça-níqueis.
Quem ousou cruzar seu caminho e arriscar opiniões contrárias a esta política, como o delegado Alexandre Neto, sofreu atentado e escapou por sorte da morte. É bom lembrar que o deputado e ex-chefe da Polícia teve seu nome encontrado na lista da propina do bicheiro Castor de Andrade, quando ainda era capitão PM, junto com outros oficiais. Mas na ocasião ninguém foi preso ou condenado.
Agora uma equipe de reportagem do jornal O Dia, numa manobra arriscada e até irresponsável da direção daquela empresa de Comunicação (em busca do aumento das vendas), acabou sendo descoberta, seqüestrada e torturada por um grupo de milicianos numa favela da Zona Oeste.
A matéria em si não traz qualquer novidade do que já se tinha conhecimento a respeito da participação de policiais nestas atividades e da conivência e cobertura da própria PM. O fato é que não há uma posição firme da cúpula da segurança pública do Estado no sentido de combater e exterminar esses grupos, claramente incrustados na PM.
O que se ouve da boca do secretário e seus subordinados é que estão trabalhando para coibir a ação das milícias, mas não há nenhuma ação concreta que demonstre resultados práticos neste sentido. A última declaração do secretário José Mariano Beltrame dá conta que "a polícia do Rio não tem mais trabalhado de maneira infiltrada porque isso coloca em risco a vida do policial, se descoberto".
Foi preciso que o MPF e a PF fizessem as investigações que redundaram nas operações Gladiador e Hurricane, que acusaram a participação e conivência dos “inhos” e dos ex-chefes da Polícia com a máfia dos caça-níqueis e do jogo do bicho. Agora os mesmos personagens aparecem, sob o manto político do grupo Rosinha-Garotinho, acusados de formação de quadrilha armada.
Na Assembléia Legislativa a única coisa que causou espanto e indignação à maioria dos deputados foi a detenção de um de seus pares. Imediatamente reuniu-se a CCJ e o Plenário para aprovar, por ampla maioria contra 15 votos, a libertação de Lins. Ali também o que se vê é um grupo sobre o qual pesa todo tipo de acusação de práticas ilegais (enriquecimento ilícito, trabalho escravo em propriedades, máfia de adulteração de combustíveis, especulação imobiliária, etc). Diga-se de passagem, que este mesmo grupo foi formado tendo à frente o atual governador, Sérgio Cabral filho, que por duas legislaturas comandou a Alerj. Hoje, dos atuais 70 deputados estaduais, 34 respondem a processos por crimes comuns.
De acordo com a Procuradoria Regional da República a ex-governadora e o deputado Lins receberam dinheiro do esquema dos caça-níqueis e do jogo do bicho para suas respectivas campanhas eleitorais de 2001 e de 2006. Rosinha teria recebido R$ 1,6 milhão por esse esquema. No caso de Lins, que recebeu R$ 238mil, a principal doação destes grupos (R$147 mil) foi destinada à dobradinha com o então candidato e hoje deputado federal Leonardo Picciani, coincidentemente filho do atual presidente da Alerj.
O esquema mafioso consiste na captação de recursos através de vias ilegais, na lavagem (legalização desses recursos) e sustentação dos negócios com tentáculos nos poderes constituídos (Legislativo, Judiciário e Executivo). Ou seja, é um sistema que exige um grau de articulação política no aparato de Estado para sua sustentação.
Portanto, o que se formou no Rio de Janeiro não é um simples esquema de captação de recursos ou de desvio de dinheiro público, mas um complicado sistema mafioso, que envolve diversos setores da economia formal e informal, com largo amparo “legal” e fortes tentáculos no governo do Estado e na Assembléia Legislativa.
A eliminação física dos adversários é um método largamente utilizado pelas máfias. Volta e meia pessoas dos mais diversos meios e com certa influência são vítimas disso no Rio. O exemplo do estado do Espírito Santo é uma demonstração de que grupos com influência política podem perfeitamente se apoderar da máquina do Estado para ampliar e preservar seus negócios.
quarta-feira, 4 de junho de 2008
Rio no limiar de um Estado mafioso
Publicado Por henrique às 12:21