O IMPACTO POLÍTICO, SOCIAL, ECONÔMICO, AMBIENTAL E TRABALHISTA DA RETOMADA DO PLANTIO DE CANA-DE-AÇÚCAR PARA A PRODUÇÃO DE ETANOL NOS PRÓXIMOS ANOS, NO BRASIL
Por Zelito da Silva - Coordenação do MTL-DI - Goiás
BIOCOMBUSTÍVEL x AGROCOMBUSTÍVEL
O Brasil retoma com força o plantio de cana-de-açúcar para a produção de Etanol como uma segunda versão do Pró-álcool, agora não mais para abastecer o mercado interno e sim para exportação. As regiões Centro-oeste e Sudeste são as mais focalizadas para o plantio da cana, enquanto no caso das oleaginosas, matéria-prima para a produção de Biodiesel, o foco é o Norte e o Nordeste. A produção de álcool e de Biodiesel vem acompanhada de um discurso de que todos estão preocupados em produzir energia limpa, a fim de evitar ou diminuir o aquecimento global. Para isso criaram até mesmo o chamado “selo social”.
Mapa das Usinas de Álcool e Açúcar instaladas e em processo de construção em todo país
· Número de usinas por Estado
AM = 01, PA = 01, MA = 04, PI = 01, CE = 02, RN = 03, PB = 09, PE = 30, AL = 26, SE = 05, BA = 04, MG = 27 + 12, ES = 06, RJ = 08, SP = 164+34, PR = 04, RS = 01, MT = 10+05, GO = 16 + 82, = TO 01.
· Número de usinas por Região:
Região NORTE = 03, NORDESTE = 84, CENTRO-OESTE = 37 + 12 em instalação, SUDESTE = 205 + 46 em instalação, SUL = 05
· TOTAL de usinas instaladas = 334; em processo de instalação = 58.
É importante observar que os ideólogos da expansão do plantio de cana para fabricação do Etanol não mais utilizam a denominação Biocombustível e sim Agrocombustível. Isto se deve ao fato de que a denominação Biocombustível é associada a uma matriz de energia limpa, de forma sustentável, com conteúdo social. Ao contrário, a denominação Agrocombustível é baseada na exploração da natureza para a produção de insumos energéticos, com o objetivo principal de auferir lucros, o que menos importa é a preservação da natureza, a dignidade e a manutenção de empregos.
Historicamente a cana sempre foi plantada em nosso País com o objetivo de produzir açúcar, alimento muito consumido pela população brasileira, inclusive para a exportação. Atualmente, o plantio da cana tem como principal objetivo a produção de Etanol, ficando o açúcar relegado ao segundo plano. Assim, a cana-de-açúcar poderá deixar de ter este nome, passando a ser chamada de “cana do etanol”.
A produção de energia renovável é uma política estratégica para qualquer país, principalmente com a instabilidade geopolítica em que vivem os países produtores e exportadores de petróleo. Tornar-se auto-sustentável na produção de combustível e poder exportar é um privilégio de poucos países. Desta forma esta fonte energética adquire importância grande para o País. O problema é que o projeto estratégico da produção do etanol e do Biodiesel não visa a fomentar a inclusão social, mas enriquecer mais ainda os capitalistas.
Cabe aqui uma discussão a respeito do papel do Estado. Em nossa opinião, o Estado poderia assumir para si a responsabilidade de monitorar o plantio, o beneficiamento, a comercialização e a contratação de mão-de-obra, respeitando os direitos dos trabalhadores e as leis trabalhistas, garantindo uma melhor remuneração, tendo a Petrobrás à frente. Isto porque entendemos que a produção de energia pelo Brasil é uma questão de soberania nacional. Neste sentido, a Petrobrás é o melhor exemplo de empresa brasileira que desenvolve e detém tecnologia própria, além de ter trabalhadores qualificados, tecnicamente respeitados. Além disso, ao contrário da super-exploração imposta pelos latifundiários (agronegócio) aos trabalhadores rurais, uma empresa estatal tem a obrigação de respeitar a lei e garantir um padrão de vida mais digno aos trabalhadores, como acontece com a Petrobrás.
O modelo utilizado na Região Nordeste
O modelo de produção de cana-de-açúcar na Região Nordeste não serve para melhorar as condições de vida dos trabalhadores e muito menos serve sequer de exemplo de desenvolvimento “sustentável” da região.
A produção da cana só enriqueceu os usineiros, milhares de trabalhadores perderam a vida, tantos outros ficaram doentes e outros acidentados sem nenhuma assistência por parte das usinas ou do Estado. Além disso, a monocultura utilizada pelos usineiros degradou completamente o solo, matou as nascentes dos rios e, conseqüentemente, agravou ainda mais o problema da seca do Nordeste.
Nos anos 90 várias usinas faliram, milhares de trabalhadores ficaram desempregados sem receber os direitos trabalhistas e os engenhos deixaram de funcionar. A partir daí, houve uma procura pelos movimentos sociais de luta pela reforma agrária para disputar os engenhos, exigindo o direito de trabalhar e também o pagamento das verbas trabalhistas.
O caso mais famoso é o da Usina Catende, em PE, que hoje está sendo administrada pelos trabalhadores por meio de um consórcio envolvendo vários movimentos sociais e o Estado. Eles conseguiram um financiamento do BNDES e assumiram o controle da usina como forma de ter os seus direitos recuperados e os empregos preservados. No meio de uma crise enorme, esta contradição acaba tendo importância na nova situação destes trabalhadores. Não é por acaso que Pernambuco é um dos Estados com maior demanda de sem-terra acampados, a maioria ex-cortadores de cana, além de haver uma enorme fragmentação dos movimentos sociais, que já passam de 15.
No auge da produção de açúcar e álcool em Pernambuco havia cerca de 170 mil trabalhadores, mas com a crise este número caiu para 90 mil. Esta diminuição está combinada com a tecnificação do corte da cana, com a introdução dos carregadeiras, de caminhões e cortadeiras mecanizadas.
A monocultora da cana deteriorou completamente o solo, matando as nascentes e toda vegetação, tornando os estados produtores de cana em deserto. O modelo é mesmo que vem sendo aplicado nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, refletindo a transferência de capitais e tecnologia dos usineiros nordestinos.
As usinas que estão sendo construídas nestas regiões têm uma família tradicional nordestina à frente ou em consórcio com outras empresas, porque eles têm know-how (conhecimento técnico). Assim, as usinas para a produção de álcool e açúcar provocam um enorme impacto social e ambiental na região, alterando completamente o funcionamento das cidades vizinhas, causando problemas de infra-estrutura urbana e rural, em razão da migração de centenas de trabalhadores para o corte de cana. Por exemplo, as redes de saúde, moradia, abastecimento de água, energia não dão conta de atender às novas demandas sem um planejamento anterior. É importante ressaltar que no Nordeste, os trabalhadores moram ou, em sua maioria, moravam nos engenhos, em povoados formados próximos aos locais do corte da cana, enquanto nas novas regiões os trabalhadores vão morar em “masmorras” (alojamentos improvisados, insalubres), construídos no interior das fazendas ou alugam casas e pensões nas cidades próximas.
As cidades não podem, desta forma, adaptar-se de forma rápida a esta nova demanda, até porque o sistema funciona por safras. É preciso ver ainda que, se por um lado há um giro de capital aumentando as vendas do comércio, por outro lado há uma queda na qualidade de vida do conjunto da população, porque são criados ou aumentam a incidência de problemas como prostituição, alcoolismo, drogas.
Os prefeitos e os governos dos Estados são os primeiros a oferecer os incentivos fiscais com o discurso de geração de empregos e renda, desenvolvimento econômico das cidades. Não se importam com os problemas sociais, ambientais, trabalhistas, de infra-estrutura, são levados só pela geração imediata de alguns postos de trabalho precarizados e de olho nos impostos como IPI, ICMS, além dos financiamentos das campanhas eleitorais futuras.
No corte da cana, a figura do “gato” (atravessador, intermediador de mão-de-obra) continua presente para arregimentar os trabalhadores de outras regiões e de outros Estados com promessas falsas. Os trabalhadores são obrigados a trabalhar com dívidas desde o início, a começar pela viagem, alimentação, cobrança de EPI’s. O “gato” ganha por produção per capta, por isso os trabalhadores são cada vez mais obrigados a trabalhar em jornadas exaustivas, de dez, doze horas, muitas vezes são roubados no peso da cana. A diferença com a Região Nordeste é que lá existia a figura do administrador do engenho, que representa o usineiro e concentra poderes inclusive de venda de mercadorias.
Atualmente os trabalhadores são obrigados a trabalhar doentes para não perder a produção e ficam sem a devida assistência médica. Os médicos são orientados a devolver os trabalhadores doentes à produção, é a escravidão moderna. As equipes de fiscalização móveis do Ministério do Trabalho são poucas e sofrem pressão e ameaças dos “gatos” e capatazes dos usineiros e dos governos, deputados, prefeitos, para não promoverem a fiscalização. Além disso, os “gatos” são donos também dos ônibus que transportam os trabalhadores para o corte da cana. Há um controle total.
Verifica-se ainda a degradação ambiental por outros meios: o trânsito de caminhões pesados carregados de cana danifica as estradas; a pulverização de agrotóxico através de avião tem trazido problemas de saúde com intoxicação, principalmente das crianças; as doenças respiratórias são os primeiros sintomas a aparecer; não se pode esquecer da contaminação dos córregos. Há uma matança da fauna e da flora e o adoecimento das pessoas, já que a fuligem é levada pelo vento para as casas da região, devido à queima da cana.
Questão da Organização dos Canavieiros
Os canavieiros formam uma categoria muito difícil de organizar porque há uma grande rotatividade, eles não criam identidade cultural nem relações políticas, porque a cada safra trabalham em usinas diferentes. Os que são da região ficam retraídos porque temem não serem contratados na próxima safra. A maioria dos STR’s (sindicatos de trabalhadores rurais) é dirigida pela CONTAG-CUT, entidades que são a favor da política agrícola do Governo porque esta aumenta sua base social, o que, por conseqüência, aumenta o imposto sindical e as taxas que os sindicatos negociam com as usinas.
A flexibilização dos direitos trabalhistas já chegou ao campo através dos contratos provisórios. As usinas dispensam trabalhadores sem pagar os direitos trabalhistas e os trabalhadores são obrigados a procurar advogados locais antes de partirem para suas cidades de origem. Muitas não têm como voltar e ficam na cidade aguardando a conclusão do processo, acabam negociando valores rebaixados nas comissões de conciliação nas DRT,s (Delegacia Regional do Trabalho) porque não tem mais condições de espera. Após serem libertados do trabalho escravo pelas equipes móveis das delegacias do trabalho muitos trabalhadores ficam na rua sem ter para onde ir até que os gatos façam os pagamentos. Aí entra o trabalho da CPT (Comissão Pastoral da Terra) e outras pastorais da igreja católica.
A fim de chantagear os trabalhadores e pressioná-los a cumprir metas absurdas muitas usinas expõem cortadeiras em frente às suas sedes. Com essa ameaça, exigem que os canavieiros cortem a cana em montantes superiores às suas forças, aumentando as jornadas e o ritmo de trabalho violentamente.
Em algumas regiões há uma briga política e judicial entre sindicatos pela representação legal dos trabalhadores. Entre os sindicatos que vem ameaçando a representação dos STR’s estão os sindicatos de Químicos, os sindicatos do Ramo de Alimentação, entre outros. O problema é que a disputa não visa representar melhor os trabalhadores contra a exploração, a briga é pelo imposto sindical. Os STR’s alegam que têm o direito porque tradicionalmente representam os trabalhadores rurais e, portanto, o corte de cana é uma atividade agrícola. Os Químicos alegam que a atividade da produção de álcool é do ramo químico, portanto, quem deve representar estes trabalhadores é o Sindicato dos Químicos. Os Sindicatos que representam os trabalhadores do ramo de alimentação alegam que são eles que devem representar esses rurais, pois as usinas produzem o açúcar, que é alimento. A usina instala da em Campo Florido (Triângulo Mineiro) por exemplo, quem representa os trabalhadores do chão da usina é o sindicato dos trabalhadores do ramo de alimentação.
O STR tem uma direção combativa, já organizou várias greves, mais ainda não organizou uma vanguarda na categoria por conta da rotatividade. É importante prestar atenção em um setor dos trabalhadores das usinas, chamados de rurícolas, que são os trabalhadores contratados permanentes. No período do corte da cana eles são deslocados para o corte e, na entre safra, fazem o trabalho de capina, adubagem e outros trabalhos braçais. Este grupo de trabalhadores os sindicato pode organizá-los, filiando-os e organizando as CIPA,s (Comissões Internas de Prevenção de Acidentes em que titulares e suplentes eleitos pelos trabalhadores têm estabilidade no emprego por dois anos). Outro fator importante que chama atenção é que os sindicatos são fracos. Quando criam qualquer dificuldade para as usinas em alguns casos a patronal organiza chapas para disputar as direções, como no caso da usina de ITURAMA, no pontal do Triângulo Mineiro, em que a direção da usina organizou uma chapa e tomou a direção do sindicato.
Ainda em relação ao debate sobre a representação dos trabalhadores das usinas, alguns propõem criar novos sindicatos só de canavieiros. Esta proposta é um equívoco porque a tendência é que cada vez mais diminua o número de trabalhadores nesta atividade, devido à aplicação do corte mecanizado com objetivo de aumentar a produtividade. Até porque há também uma pressão para diminuir a queima da cana, que mata os animais silvestres e polui a atmosfera, lançando fuligem da palha no ar da região. Verifica-se que as novas usinas que estão sendo montadas devem cumprir a exigência de garantir 70% do corte mecanizado. O problema é que com o corte mecanizado há uma perda em torno de 30% no aproveitamento da cana, portanto, o custo-benefício não é muito compensador para o capitalista, porque o ganho em produtividade se perde, já que as cortadeiras não conseguem aproveitar cem por cento da cana. O ganho é na preservação do meio-ambiente.
Em relação à participação dos trabalhadores nos sindicatos observa-se que dificilmente associam-se, em razão da alta rotatividade, do baixo grau de escolaridade, das práticas antidemocráticas e pelegas dos dirigentes sindicais. Assim, os canavieiros não se aproximam dos Sindicatos e é preciso discutir uma estratégia política para que aumente a participação dos trabalhadores, inclusive, por onde começar.
Antes de partir para criar sindicatos em uma base territorial é preciso questionar os porquês, avaliar se compensa do ponto-de-vista dos interesses dos trabalhadores e não de seus dirigentes. É preciso avaliar a existência e a atuação dos atuais STR’s, verificar e justificar a composição de oposições sindicais a partir da existência de uma vanguarda militante.
O caminho de organizar oposições aos STR’s não é tarefa fácil porque os pelegos estão nos sindicatos há 20, 30 anos, o número de filiados é bem pequeno, não existem condições políticas para representar o conjunto dos trabalhadores das usinas. As empresas são indústrias que têm engenheiros químicos, engenheiros mecânicos, agrônomos, técnicos agrícolas, eletricistas, operadores de caldeiras, motoristas de caminhões, mecânicos de auto, apontadores, enfim, uma gama de trabalhadores com profissões diversificadas. A esquerda precisa se debruçar sobre esta questão, avaliar como penetrar neste setor, pois haverá uma grande quantidade destes trabalhadores, mesmo com a redução de mão-de-obra causada pelo emprego das novas tecnologias.
A Conlutas precisa elaborar uma política estratégica em combinação com os movimentos sociais que atuam no campo. A participação dos trabalhadores rurais ligados aos movimentos sociais é uma hipótese, mas para isto é preciso girar o foco da atuação, porque os trabalhadores que atuam nos movimentos camponeses no geral atuam em oposição aos Sindicatos porque não fazem luta é só esperam as terras serem desapropriadas.
Outro viés seria, a partir de um trabalho que crie as condições políticas com a formação de militantes, fundar sindicatos dos trabalhadores nas indústrias de fabricação de Açúcar, Álcool e Biodiesel etc, porque aí poderiam representar o conjunto dos trabalhadores, o que não conflitaria com a representação dos STR’s, com objetivo de obter a carta Sindical.
A produção média de um trabalhador no corte de cana na região de Ribeirão Preto (interior de São Paulo) é de 12 toneladas-dia. Em 1980 a produção média de um trabalhador era de 6 toneladas-dia, logo, a produtividade aumentou em 100%. A superexploração dos trabalhadores, a pressão sobre os trabalhadores com metas altíssimas de produção, tem gerado cada vez mais acidentes, doenças causadas pelo esgotamento físico, mortes. Segundo dados divulgados por um jornal norte-americano e um documentário exibido por uma TV a cabo também estadunidense, a precarização do trabalho aumenta nos canaviais brasileiros.
De acordo com as reportagens, 312 trabalhadores morreram e 82.995 sofreram acidentes entre os anos de 2002 e 2005. O título do documentário é “Os carros brasileiros rodam com o sangue dos trabalhadores cortadores de cana”. É evidente que o documentário parece encomendado, com objetivo de descredenciar as ambições brasileiras de liderar a venda de Etanol para os Estados Unidos e Europa e proteger a produção de Etanol a partir do milho dos EUA, portanto, desmonta o discurso de combustível limpo que preserva o meio ambiente.
Na região de Mato Grosso do Sul, a indústria suco alcooleira avança sobre as aldeias indígenas, tirando os índios das suas terras para trabalharem como bóias-frias nos cortes de cana, fazendo proposta de arrendar as aldeias. Aí surge a figura do “gato” utilizado pelos brancos nas aldeias, cujo papel é cumprido por um membro da tribo chamado de cabeçante. Esta figura é que faz a intermediação na contratação dos índios É dada preferência para os índios mais jovens e mais fortes. Muitos deles são menores de idade e tem os documentos falsificados para burlar a fiscalização do Ministério do Trabalho, A avaliação das lideranças indígenas é que, em médio prazo, isso tende a desagregar as aldeias, modificando os hábitos culturais de lidar com a terra.
A Reforma Agrária fica ameaçada com a chegada das usinas, a monocultura da cana transforma fazendas improdutivas em produtivas rapidamente, da noite para o dia. Os fazendeiros arrendam as terras que antes era alvos dos sem-terra, transformando os trabalhadores rurais em bóias-frias, principalmente os filhos dos trabalhadores rurais. Há uma pressão objetiva para os assentados arrendarem as suas parcelas ou abandonarem sua atividade de trabalho na terra para irem trabalhar no corte da cana. Com isto diminui a produção de leite, a produção de alimentos para sua auto-sustentação e para comercialização, impactando diretamente a agricultura familiar e também a produção da agricultura patronal.
A tendência é que seja reduzida a área plantada de alimentos, com a diminuição da produção de grãos e aumento dos custos para os consumidores urbanos. Muitos assentamentos ficam ilhados pelos canaviais, já há assentamento com mais de 50% das parcelas arrendadas, como é o caso do assentamento Santo Inácio Ranchinho, em Campo Florido, no Triângulo Mineiro.
Os pecuaristas tradicionais arrendaram suas terras no Sudeste, Centro-Oeste e transferiram-se para a Região Norte, onde arrendam ou compram novas terras, principalmente na região amazônica. Isto agrava ainda mais o desmatamento. Merece atenção a quantidade de usinas que estão previstas para serem implantadas no Estado de Goiás nos próximos 10 anos: 82 novas usinas, que se somarão às 16 usinas já em funcionamento.
Os investimentos previstos são de aproximadamente R$ 13 bilhões, prevendo criar 68.000 postos de trabalhos diretos e 207.000 indiretos na cadeia produtiva, segundo estudo dos pesquisadores da UNICAMP, estimativa para os próximos 20 anos. Os investimentos no Centro-Oeste serão de R$80 bilhões, dos quais R$50 bilhões serão investidos em Goiás. Observe-se que o PIB do Estado é de R$ 49,7 bilhões. 58 cidades do Estado de Goiás vão ter uma usina, o significa quase 1/3 das cidades do Estado. Trata-se de uma ocupação geográfica que com certeza vai trazer mudança significativa nestas regiões, ainda mais agravada pelo fato de que a usina atinge áreas de vários municípios com a plantação da cana.
Mapa das Usinas já implantadas, e em processo de construçao em todo Estado de Goiás
· Montividiu = 02, Morrinho = 01+01 , Paraúna = 04 +03, Quirinópolis = 01 +01, Santo Antônio da Barra = 01, Vicentinópolis = 01, Aporé = 01, Cachoeira Dourada = 01, Chapadão do Céu = 01+01, Edéia = 01, Goiatuba = 01+ 04 , Inaciolândia = 01, Itarumá = 01+01, Itumbiara = 03+04, Jataí = 02+01, Acreúna = 04+01, Bela Vista de Goiás = 02, Cabeceiras = 01, Cachoeira Alta = 01, Caçu = 03, Calda Novas = 01, Catalão = 01, Firminópolis = 03, Goianésia = 02 +01, Cidade de Goiás = 01, Indiara = 01, Itaberai = 01, Jaraguá = 01, Jussara = 01, Leopoldo de Bulhões = 01, Matrinchã = 01, Mineiros = 02, Palmeiras de Goiás = 02, Panamá = 01, Pontalina = 01, Portelândia = 01, Rio Verde = 01+02, Santa Cruz de Goiás = 01, Santa Fé de Goiás = 01, Santa Helena de Goiás = 01+01 Santa Isabel = 02, Silvânia = 01, Turvânia = 01, Uruaçu = 01, Uruana = 01, Anicuns = 01, Carmo do Rio Verde = 01, Inhumas = 01, Ipameri = 01, Itapaci = 01, Itapuranga = 01, Jandaia = 01, Porteirão = 01, Rubiataba = 01, Serranopólis = 01, Turvelândia = 01, Vila Boa = 01, Piracanjuba = 01.
Há um debate em curso nos setores acadêmicos e entre os ambientalistas que defendem um marco regulatório, demarcando um zoneamento por região para o plantio de cana, com objetivo de preservar a infra-estrutura, o equilíbrio sócio-ambiental e a produção de grãos da região.
Produção de Biodiesel e Agricultura Familiar
O Biodiesel é um combustível líquido derivado de biomassa renovável, produzido a partir de diversos vegetais, tais com: coco de dendê, mamona, girassol, soja, pinhão manso, palma, algodão, babaçu, gordura vegetal e outras oleaginosas que são produzidas nos assentamentos e pelos pequenos agricultores. O Biodiesel é uma matriz energética que, sem dúvida, pode tornar-se o combustível do futuro, já que as sobras inclusive também podem ser aproveitadas, gerando subprodutos como tortas e farelos, que poderão ser utilizados na fertilização dos solos ou na ração animal.
O problema é novamente se vamos utilizar esta tecnologia para desenvolver o nosso país, gerar renda, preservar o meio ambiente, desenvolver a agricultura familiar, ou se, ao contrário, vai ser usada para aumentar a exploração da mão-de-obra dos camponeses e enriquecer mais ainda as distribuidoras. Os trabalhadores vão plantar grãos para fazer Biodiesel e deixar de plantar para alimentação, ou seja, vamos abastecer os motores dos caminhões, tratores, ônibus e não as prateleiras dos supermercados.
A tecnologia é muito cara, requer uma logística sofisticada e capacidade técnica para operar as usinas. O Governo introduziu o Biodisel na matriz energética regulada pala ANP (Agência Nacional do Petróleo), determinando às distribuidoras que misturem 2% de Biodiesel no óleo diesel, o chamado B-2. Até 2013 será misturado mais 3% ou seja 2+3 passa a B-5. Junto com o decreto foi criado o selo social, afirmando que trata-se de um “combustível social”. O decreto também prevê que as empresas que adquirirem matérias primas dos assentamentos terão incentivos fiscais de 30% até 100%, principalmente na região Nordeste.
No Brasil, a demanda por diesel de petróleo é de 40 bilhões de litros ano, sendo que 94% é produção nacional e 6% são importados, ou seja, 2,4 bilhões de litros. Para a mistura do B-2 serão necessários 800 milhões de litros-ano. Até 2013 a mistura será de B-5, sendo necessária uma produção de 2 bilhões de litros-ano. A proposta do PNPB (Programa Nacional de Produção de Biodiesel) é substituir gradativamente o Diesel de petróleo, portanto, há uma demanda garantida para os próximos anos.
As experiências de produção das matérias-primas nos assentamentos não têm sido boas. As empresas que estão credenciadas pela ANP para a produção do Biodiesel têm encontrado dificuldade e não têm estabelecido uma política vantajosa para os assentados da Reforma Agrária, nem com os pequenos produtores, porque propõem aos assentados um contrato por vários anos e pagam por quilo de matéria-prima de mamonas, pinhão ou girassol. Os preços pagos pelas empresas não têm sido compensadores para os agricultores e têm transformado os assentados em dependentes das empresas já que, feito o contrato, não podem vender para outro.
As empresas fornecem a assistência técnica só no começo do contrato. Para colher a produção é um problema porque os corredores das porteiras não estão projetados para as colheitadeiras, grandes caminhões. Assim, o trabalhador tem que colher manualmente, perde parte da produção, aí o que está ocorrendo é que o tal “selo social” é uma farsa. É que, na verdade, quem está alimentando as usinas de Biodiesel são as agroindústrias da soja. Novamente a cadeia de produção caiu nas mãos dos capitalistas do agrocombustível.
A previsão é que até 2035 teremos no Brasil 900 usinas com produção média de 100 mil litros-ano por usina para atender à demanda. A tendência é a monocultura da soja monopolizar a matéria prima para a produção de Biodiesel.
Mapa das Usinas de Biodiesel já em funcionamento e em fase de construção e em todo país:
· PA = 01, MT = 04 + 11, MS = 04, RS = 03+08, SC = 02, PR = 04, SP = 04+09, MG = 02+03, GO = 03+01, RJ = 01, TO = 01+01, MA = 01+ 02, BA = 01+03, PI = 01+ 04, CE = 01+09, RN = 01, PB = 01, PE = 02.
Usinas em Construção / Em Funcionamento (Por Região):
· Norte = 01 / 02; Nordeste = 22 / 04; Centro-Oeste = 16 / 07; Sudeste = 22 / 07; Sul = 14 / 03; Total = 75 / 23.
É importante ressaltar que o Governo pretendia promover a instalação de usinas nas regiões Norte e Nordeste, com a utilização de outras oleaginosas além da soja. Visava incentivar a agricultura familiar, mas o que está ocorrendo é o contrário, porque das 23 usinas em funcionamento 20 estão funcionando à base de soja, em torno de 87%.
Comparada com outras oleaginosas a soja é a menos produtiva. O teor de óleo extraído dela é de 18%, enquanto o amendoim chega a 50%, a mamona a 47%, a palma 45%, o girassol a 45%, o pinhão manso a 37%, o nabo forrageiro a 36%. Apesar disso, a utilização da soja na produção de Biodiesel começou a ser vista pelos empresários e o próprio governo como estratégica para a exportação com outros produtos. O resultado disso é que o óleo de soja está com o preço nas alturas.
Os produtores de soja têm mais uma opção de mercado
O que os produtores de soja estão pensando é quando os preços da soja caírem no mercado internacional eles produzem Biodiesel, quando os preços voltarem a subir eles vendem soja. Novamente o poder econômico do agrogombustivel vai apoderando-se de uma tecnologia que poderia servir para melhorar a situação dos trabalhadores do campo com a produção de uma matéria-prima, porque eles têm os meios de produção e a sua força de trabalho, se plantada com racionalidade com acompanhamento técnico permanente.
Não como estão fazendo algumas empresas que estão dominando a tecnologia e arrendando os assentamentos com contratos de longo prazo, pagando valores irrisórios. Elas fornecem uma assistência técnica só no começo e depois os produtores têm que se virar sozinhos. Muitos não dão conta de administrar e perdem todos os investimentos, as porteiras e os corredores não estão adaptados para passar com as colheitadeiras e caminhões.
Os pesquisadores apontam alguns problemas. O plantio da matéria-prima está em uma região, a produção do Biodiesel em outra e a mistura em outra, refletindo falta de planejamento e organização da logística. Portanto, da maneira como está sendo conduzida a produção do Biodiesel não vai atingir os objetivos e não vai estimular a agricultura familiar, porque os pequenos produtores não podem ficar sós na primeira fase e têm que dominar todo o processo da produção.
As alternativas apontadas são de pequenas usinas, tanto para a produção de Biodiesel quanto para produção de etanol e açúcar, porque os agricultores podem aproveitar os derivados das oleaginosas e da cana para ração para o gado e outros produtos. Para isso seria necessário que o governo, através da Petrobrás, assumisse a implantação do projeto, o acompanhamento técnico e a garantia de compra da produção de usinas nas regiões onde houver concentração de agricultores familiares e pequenos produtores, para que os assentados não fiquem nas mãos dos exploradores.
As organizações dos trabalhadores precisam tratar o tema com mais atenção
É importante que as organizações dos trabalhadores que lutam por transformação social, dêem contribuições teóricas e concretas sobre o campo para podermos nos apropriar das tecnologias e do espaço. Embora neste caso haja uma contradição porque os camponeses detêm os meios de produção de pequenas propriedades privadas. Portanto, a aliança campo e cidade não pode ser só uma retórica. Precisamos dirigir o processo da luta no campo. Os camponeses cumprem um papel importante na luta pela transformação social. A Reforma Agrária, apesar de ser uma reforma burguesa, que qualquer governo burguês poderá realizar caso queira desenvolver o país e aumentar a produção de alimentos, não podemos esquecer o papel que os camponeses cumpriram na Rússia pós-revolução. No primeiro momento foram dirigidos pelos kulaks, que no primeiro momento lideraram o boicote de abastecimento não fornecendo alimentos para a cidade. Os Bocheviques levaram tempo para poder assumir o controle da situação, inclusive, assassinando milhares para salvar a revolução.
Revolução Russa e os Camponeses
Lênin foi obrigado a lançar mão da NEP, Nova Política Econômica, que permitia alguma cota de produção e comercialização privada, para poder abastecer as cidades. Com o objetivo de consolidar a aliança camponesa e operária teve que recuar da socialização das terras, garantindo aos camponeses médios que não tomaria as suas terras. Propôs mais de uma forma de organizar a produção com fazendas estatais coletivas, outras semi-coletivas e também a produção individual.
Evidente que na Rússia havia 80% da população no campo e 20% nas cidades, os camponeses pobres representavam 29,4%, os ricos kulaks 3,1%, os médios 67,5%. Os dois primeiros eram responsáveis por 88% do comercializado e os camponeses pobres por 12%. O primeiro grupo, menor numericamente, tinha maior poder econômico e influência política. Um censo realizado em 1927 levantou que o Partido Bolchevique tinha 38,5% de funcionários públicos, 30% de trabalhadores, 10,1 % de camponeses, 8,1 % de militares sendo que apenas 01% estava realmente no trabalho no campo. Os demais militantes estavam ocupados com tarefas burocráticas do Estado. Podemos observar uma enorme desproporção entre a população urbana e rural e quantos militantes estavam organizados no Partido Bolchevique no campo. Portanto, atenção aos trabalhadores rurais.
No caso do Brasil deste início do século XXI a situação é invertida: só temos no campo 19% e 81% da população nas cidades. Mas o Brasil ainda é um país cuja economia tem forte presença Agrícola. A produção rural é responsável por 30% do PIB e a produção camponesa é responsável por 10%, mesmo sem apoio técnico para organizar e qualificar a produção, o escoamento e a comercialização que são precárias. Os 60% da produção de grãos que vão para as gôndolas dos supermercados e hipermercados após empacotados deixam transparecer que tudo é produzido pelas grandes fazendas do agro-negócio. Na verdade só a embalagem é que é colocada pelas indústrias de beneficiamento.
O Brasil será responsável pela produção de combustível limpo para mover parte dos automóveis do Mundo, apartir da produção de combustível extraído das matérias primas produzidas no campo onde poderemos ter o controle da produção ou não. Isso dependerá da nossa capacidade de organização e intervenção no campo, organizando os camponeses.
É preciso trazer esse assunto para a pauta de discussão das organizações urbanas como a Conlutas, PSOL, PSTU e PCB. Cito estas organizações porque estão no campo da classe e têm feito análises críticas sobre esta questão. O tema Reforma Agrária e o papel dos camponeses na luta pala Revolução Socialista precisam ser debatidos no interior destas e demais organizações populares.
Por Zelito da Silva - Coordenação do MTLDI - Go
Referencia bibliográfica:
livro “Despoluindo Incerteza”, Wendell Ficher Teixeira Assis, Marcos Cristiano Zucarell UFMG, Lucia Schild Ortz UFRS.
Reportagem Especial de “O Popular” - Go, jornalista Edimilson Sousa Lima.
Jornal Comissão Pastoral da Terra.
Livro “Revolução Russa, processos, personagens e influências”, organização David Marcel, Cláudio Maia, Antonio Henrique Lemos CEPEC.